Crise na educação: SC tem denúncias milionárias e escolas abandonadas

SC paga milhões sem licitação para empresa do Rio Grande do Sul construir escola, enquanto 270 alunos dividem 2 salas de aula em escola destruída em incêndio há mais de um ano

Crise na educação: SC tem denúncias milionárias e escolas abandonadas

Reprodução / Redes sociais

No WhatsApp do JR tem notícia toda hora! Clique aqui para acessar.

A educação em Santa Catarina enfrenta um período turbulento, marcado por acusações de irregularidades em contratações emergenciais e uma infraestrutura escolar deficiente. As situações nas escolas EEB Norberto Teodoro de Melo, em Angelina, e EEB João Boos, em Guabiruba, bem como denúncias de favorecimento em licitações, refletem uma crise mais profunda no sistema educacional do estado.

Com extrema agilidade, pagamento milionário caiu na conta da empresa: tão rápido quanto o processo que dispensou licitação

Um caso emblemático é a contratação emergencial de R$ 4,2 milhões pelo Governo de Santa Catarina para salas modulares em Florianópolis, sem licitação e com alegações de urgência duvidosas. A denúncia, agora sob investigação do Tribunal de Contas, destaca a escolha da empresa sem um processo licitatório competitivo, ignorando ofertas menos onerosas de empresas locais. A justificativa para tal contratação emergencial, baseada em uma ação civil pública de 2019, é questionada por especialistas e pelo Procurador do Estado, que apontam inconsistências no processo.

Entre as irregularidades citadas, estão o suposto direcionamento do processo, a exigência de especificações técnicas que poucas empresas poderiam atender, e a utilização de orçamentos de outros projetos para justificar o valor de contratação emergencial.

Chama atenção o prazo de apenas 2 dias, exigido pela Secretaria de Estado da Educação, para que as demais empresas montassem orçamentos para a dispensa de licitação, conforme e-mail enviado aos responsáveis no dia 27 de janeiro. Surpreendentemente, a execução das obras só iniciou em março, quase um mês após a assinatura do contrato, contradizendo a alegação de emergência que fundamentou a contratação.

O pedido de urgência contou, inclusive, com intervenção pessoal de Ana Carolina Colombo, Diretora de Infraestrutura Escolar de Santa Catarina. Ela enviou um ofício em 17 de março de 2023, solicitando a assinatura do contrato com urgência, o que se concretizou rapidamente, dois dias depois.


Este caso não é isolado. Denúncias similares emergem de Alagoas, onde o Ministério Público instaurou procedimentos para investigar a postura do governo estadual em licitações para construção de creches e outras unidades públicas. As acusações apontam para um favorecimento de um grupo seleto de empresas, limitando a participação de construtoras locais menores. A Verdi Sistemas Construtivos Ltda., do mesmo grupo econômico citado em Santa Catarina, figura como uma das beneficiadas.

Em Sinop, Mato Grosso, a situação se repete. Vereadores locais apresentaram denúncias de superfaturamento em uma licitação para a construção de escolas municipais, vencida pela empresa DBN - Deboni Sistemas Construtivos. Com um contrato de quase R$ 65 milhões, a empresa é acusada de práticas suspeitas, incluindo atrasos na publicação de documentos essenciais para a transparência do processo e discrepâncias nos valores por metro quadrado em comparação com outras construções similares.

Na Grande Florianópolis, 270 estudantes dividem duas salas de aula, um ano após incêndio devastador


Em Angelina, uma pequena cidade na Grande Florianópolis, os alunos da Escola de Educação Básica Norberto Teodoro de Melo encerram o ano letivo de 2023 em um cenário desolador. Desde o grande incêndio que devastou parte de sua escola, eles têm frequentado aulas em um ginásio de esportes improvisado, sem perspectivas de melhoria.

Sem ginásio de esportes, não há mais aulas de educação física. Os alunos brincam neste corredor, dividindo o espaço com as mesas de tênis e pebolim

"Sem esperanças" é como descrevem a situação, com o Governo de Santa Catarina ainda não tendo direcionado a ajuda necessária. A comunidade escolar, composta por pais, estudantes e moradores do bairro Barra Clara, expressa incredulidade e tristeza. "Esse lugar já foi e é ainda a segunda casa de muitos sonhos e lembranças, agora em cinzas", relata um ex-aluno nas redes sociais.

O ginásio, localizado do outro lado da rua da escola destruída, tornou-se o refúgio precário para esses alunos. Lá, o frio intenso do inverno e a falta de segurança são desafios diários. Durante os ataques em Blumenau, com o medo de que o mesmo pudesse ocorrer em outras cidades catarinenses, os pais se desesperaram e não queriam mais enviar seus filhos para as aulas, forçando a comunidade escolar a adotar ainda mais medidas improvisadas.

“Sem contar o problema das goteiras! Lá no ginásio é pior ainda, é um local com muito barulho, então é aprendizagem zero, porque o professor não consegue explicar, o aluno não consegue escutar o professor, o professor não conseguiu escutar o aluno, é um lugar completamente inapropriado”, desabafa uma professora.


Neste ambiente de abandono, 270 alunos, divididos entre a rede estadual e municipal, buscam manter seu aprendizado. As condições são precárias: apenas duas salas de aula sobreviveram ao incêndio, uma delas sendo um laboratório de informática que agora serve também como sala de aula. A falta de espaço adequado é extremamente prejudicial aos estudantes.

“Na verdade, apenas uma única sala está adequada dentro da metragem exigida para a quantidade mínima de ensino para os alunos”, conta a profissional.

A gestão da escola, antes compartilhada entre as redes estadual e municipal, agora enfrenta desafios logísticos. Uma cozinha que não pôde ser transferida para o ginásio obriga os alunos a atravessarem a rua para as refeições, aumentando os riscos de segurança.

“Acham que é uma escola pequena do interior, não tem muito aluno, mas o aluno do interior tem o mesmo direito do aluno da cidade. De ter uma escola digna, decente”, desabafa uma das responsáveis pela administração da escola.

Uma das duas salas de aula utilizadas por 270 estudantes também virou biblioteca improvisada

Este caso não é apenas uma história de perda e adversidade, mas também um reflexo da desigualdade no sistema educacional. Os estudantes e a comunidade da EEB Norberto Teodoro de Melo em Angelina lutam não só pela reconstrução de um prédio, mas pela garantia de seus direitos a uma educação de qualidade e um ambiente seguro e propício para o aprendizado.

À medida que 2023 chega ao fim, a esperança de uma solução para a EEB Norberto Teodoro de Melo permanece em suspense, com a comunidade aguardando ações concretas do Governo do Estado de Santa Catarina.

EEB João Boos: promessas não cumpridas e adaptações constantes

Conforme revelado por reportagem do jornal O Município, de Brusque, a comunidade escolar da EEB João Boos, em Guabiruba, vive um cenário de expectativa e adaptação. Após a rescisão de contrato com a empresa ESE Construções em abril, a Secretaria de Estado da Educação (SED) anunciou que um novo edital de licitação para a reforma e ampliação da escola está em fase final e será lançado ainda em novembro. O mês acaba hoje.

A ESE Construções, inicialmente responsável pelas obras, enfrentou críticas pelo ritmo lento e a má gestão do projeto, levando a SED a acionar a segunda colocada no processo licitatório, a Salver, de Ituporanga. Contudo, a nova empresa decidiu não prosseguir com a obra, agravando a situação.

Enquanto isso, a escola, uma das duas no município que oferece Ensino Médio e atende cerca de 460 alunos, tem se adaptado a circunstâncias desafiadoras. Com apenas cinco salas disponíveis e um ginásio sendo utilizado multifuncionalmente, os alunos e professores enfrentam limitações diárias. As atividades esportivas foram temporariamente suspensas no ano passado, e uma cozinha improvisada foi montada devido às restrições estruturais.

O longo histórico de reformas inacabadas da EEB João Boos remonta a março do ano passado, com sucessivas paralisações e retomadas, gerando suspeitas de abandono por parte da empresa contratada. A esperança de uma reforma substancial vem sendo alimentada desde 2013, quando uma visita do então governador Raimundo Colombo sugeriu a substituição do projeto de reforma por uma nova construção. Entretanto, a escola enfrenta problemas estruturais crônicos, incluindo um bloco interditado em 2021 e questões elétricas que impedem o uso de aparelhos de ar-condicionado.

O projeto aprovado prevê uma ampliação significativa, incluindo um novo bloco, acesso coberto às áreas esportivas e um campo de futebol, além da reforma dos blocos existentes, refeitório e ginásio de esportes.

Lenir Jost Lofhagen, gestora escolar da João Boos, expressa um misto de esperança e frustração: “É uma expectativa muito grande para os alunos e a diretoria. A equipe se esforça ao máximo para manter um ensino de qualidade, a gente merece um ambiente de trabalho muito bom, melhorado 100%".

Enquanto a comunidade aguarda a concretização das promessas de reforma, Thomaz Nagel, assessor da direção, reflete sobre os desafios enfrentados: “Infelizmente faz parte de obras públicas. Mas esperamos que o governo atual cumpra o que prometeu, já no seu primeiro ano de administração”.

A placa na frente do prédio, indicando a conclusão da obra para novembro de 2022, permanece como um lembrete constante das expectativas não atendidas, enquanto alunos e professores continuam a navegar em um ambiente educacional marcado por adaptações e incertezas.