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Em uma decisão que ressoou em todo o Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para derrubar o marco temporal, uma tese que limitava o direito de demarcação de terras indígenas a áreas ocupadas em 5 de outubro de 1988. A decisão foi vista como uma vitória histórica para os povos indígenas. No entanto, o que parece ser um avanço para uns pode ser interpretado como um retrocesso para outros, como é o drama das famílias que residem nas áreas disputadas, como por exemplo a cidade catarinense envolvida no caso TI Ibirama-Laklãnõ.
Embora o STF tenha focado na justiça social e nos direitos indígenas na sua decisão, os efeitos dessa escolha jurídica se estendem a diversas famílias que habitam essas áreas há gerações. Agricultores, pequenos proprietários e até mesmo populações urbanas se encontram em um limbo jurídico, receosos de perderem suas propriedades e seu modo de vida.
Municípios como Vitor Meireles e José Boiteux, que fazem parte da área da TI Ibirama-Laklãnõ, possuem comunidades inteiras que poderão ser deslocadas. Estas são zonas que, para além da agricultura, possuem estruturas escolares, de saúde e comércio. A remoção dessas famílias e o desmantelamento dessas estruturas podem resultar em uma crise humanitária e social.
Apreensão. Este é sentimento das mais de 800 famílias que tiram o sustento da agricultura familiar em Vitor Meireles, que é município mais impactado com a área em disputa com a comunidade indígena. O agricultor Francisco Jeremias, o Chico, é um destes agricultores: “Estamos apreensivos. Já imaginou um agricultor, com posse de mais de 100 anos, e chegarem e dizer que não são mais donos? Queremos que o marco temporal permaneça. Não se pode mexer na constituição. Todos têm documentos registrados em cartório com o brasão do Estado de SC. Estamos lutando para que o agricultor permaneça na terra”, disse Chico.
O tema do conflito é a ampliação da terra indígena, que é formada por sete aldeias, que juntas somam 14 mil hectares e os índios querem que a área seja ampliada para 37 mil hectares. Em outro, estão as famílias de agricultores dos municípios de Vitor Meireles, José Boiteux, Itaiópolis e Doutor Pedrinho. Estes, estão apreensivos em ter que deixar suas terras, casas e animais, além de impactar diretamente na economia destes municípios. “Se a terra indígena for ampliada, o município irá perder 76% do território”, disse.
Ela aponta uma estrada, que faz divisão entre a área pretendida pelos povos indígenas. “Até hoje não entendemos o porquê esta área ser indígena e a outra não. Qual critério? São cerca de 2,5 mil ou 3 mil pessoas que poderão perder suas casas e suas terras. Sem agricultura e sem agricultor, não há humanidade”, diz Tarcísio.
Para o produtor de uvas Jairo Böing, a impasse com o marco temporal dificulta novos investimentos na propriedade de 10,9 hectares. Ele, que também herdou as terras que foram divididas com o irmão, conta que produz cerca de 5 toneladas de uvas por ano, abastecendo 60 mercados de Santa Catarina e Paraná. “Hoje sou a quarta geração aqui. Meu bisavô veio fugindo da guerra. Se não for aprovado, todo este esforço feito em busca de uma nova vida, fica por aqui. Acredito que este é um tema delicado e somos vítimas de um diálogo que não cabe a nós e não podemos dizer o que é certo ou errado. Estamos à procura de uma melhor solução”, disse.
O marco temporal era uma forma de trazer clareza jurídica à questão das terras indígenas. Sua derrubada, embora possa ser comemorada como uma vitória para os direitos indígenas, também lança uma sombra de incerteza sobre o futuro das áreas disputadas. Sem um critério claro, abre-se um precedente que pode ser explorado de diversas formas, aumentando as disputas judiciais e a tensão social.
Não se pode ignorar, ainda, que muitas dessas terras estão sob administração de famílias que as utilizam para a agricultura sustentável ou para a conservação ambiental. A transferência dessas áreas sem um plano de gestão eficaz pode resultar em desmatamento e degradação, agravando a já delicada situação ambiental do Brasil.
A decisão do STF falha em fornecer uma solução equilibrada que contemple todos os interessados. A derrubada do marco temporal, ao passo que alivia o drama dos indígenas, potencializa o sofrimento de milhares de outras pessoas e deixa questões críticas sem resposta.